10/09/2007

O ínicio

Houve um tempo em que fui larva, outro em que fui discípula de borboleta e creio que me terei já tornado numa borboleta, mas não na borboleta que sonho vir a ser… acho que ainda sou daquelas com asas meio enrugadas… ainda na procura incessante da flor cujo néctar naquele momento se torna essencial…

Em 2006, após o fim do projecto artístico do Acto., estrutura a que estive ligada durante cerca de 10 anos, fiquei em casa entre ócio forçado e stress a reflectir sobre o que iria fazer do meu futuro enquanto performer e criadora… até agora eu tinha existido artisticamente dentro de uma estrutura, envolvida num invólucro, numa espécie de saco amniótico que me ia alimentando e fazendo maturar enquanto criadora, que me fez nascer, que me alimentou, que me disciplinou, que me obrigou muitas vezes a saltar no abismo, a desafiar os meus limites ou aquilo que eu julgava serem os meus limites, que me espancou e deu bofetões, mas que também me limpou as feridas quando a queda foi demasiado grande, que acreditou em mim em momentos em que eu não acreditei e que me forneceu as ferramentas que eu soube aceitar, as ferramentas necessárias para construir as minhas asas e voar mais longe, alargar os horizontes do meu universo criativo, questioná-lo, confrontá-lo com o de outros sempre com o rigor, a técnica, a precisão e, acima de tudo… o coração.

E é neste momento de relativo conforto, em que tinha atingido aquilo a que se pode chamar uma maturidade, uma autonomia enquanto performer e enquanto criadora, quando já tinha começado a encontrar a minha linha pessoal que queria continuar a desenvolver e a aprofundar... é nesse momento, que o invólucro que protege a borboleta de asas engelhadas, se rompe…

O trabalho que tinha desenvolvido até então, centrado no trabalho do performer, era (e é) aquele que, na sua essência, com mais ou menos variâncias e tonalidades, com mais ou menos diferenças estéticas, queria (e quero) continuar a desenvolver… no entanto como? sem estrutura que acolhesse as minhas ideias, os meus projectos? Interessava-me continuar a poder conceber e dirigir as minhas próprias criações e, entrar noutras, não necessariamente da minha autoria, mas que mexessem comigo da mesma maneira… não me apetecia estar a correr de audição para audição para tentar encontrar um lugar onde não queria estar.

Estávamos em Abril/Maio de 2006…a ideia de uma nova criação começa a maturar-se… tentei trabalhar em casa, mas era impossível, os vizinhos expulsar-me iam brevemente e não tinha espaço físico para aquilo que queria… a ideia era criar uma performance tendo como base Medeia… ainda numa tentativa de remendar o invólucro… pedi o atelier emprestado ao Acto, para ensaiar nos momentos em que o espaço estivesse livre… o atelier foi cedido com negociações cerradas de co-produção: cedência de espaço de ensaio e apresentações e algum dinheiro para gastos e que eu própria teria que gerir… foi complicado… mas fez-se!

No entanto, ao contrário da minha remota e, só agora revelada, esperança, o invólucro não foi remendado… eu já estava cá fora, ou aliás aquilo de onde tinha nascido, o defunto invólucro, de cujo luto eu me recusava a fazer, já não existia… apenas existia em mim aquilo que eu retive dessa altura.

E fez-se a Medeia, com empenho, investimento afectivo e generosidade de todos aqueles que estiveram envolvidos no processo de criação.

Após a estreia, iniciou o processo de pós-produção, circular, tentar vender, divulgar, encontrar apoios… e foi ter um filho nos braços e não saber nada de puericultura… mas é nos momentos difíceis que mais se cresce e mais se aprende e mais rápido se aprende… até porque ninguém nos vai ensinar… e isso eu já tinha aprendido noutras alturas…

E é nesta tentativa de querer aprofundar aquilo em que acredito, de querer continuar a desenvolver-me enquanto performer e enquanto criadora, individualmente e em colaboração com outros criadores, com outras pessoas, que surge a necessidade de criar uma estrutura de criação. Em finais de 2006, nasce o Projecto Transparências- criação de objectos performativos – associação.

Surge como uma urgência, como um imperativo, sem rupturas trágicas e com devaneios que espero experimentar, construir e fundamentar…

E, estou consciente que, se o difícil é começar… talvez o ainda mais difícil, seja continuar… só espero que as minhas asas engelhadas estejam musculadas o suficiente para me permitir sobrevoar o abismo.

Helena Botto

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Um comentário:

Eclipse Arte,Performing Arts disse...

Li as tuas palavras com um sentimento de entusiamo.
És uma maravilhosa criadora, uma excelente performer, uma optima colega.
Desejo as maiores felicidades ao projecto e no que eu puder colaborar não hesites em pedir ajuda.
Antonio