No princípio era Jean Genet e foi “Nossa Senhora das Flores” e “Diário de um ladrão”e foi toda uma procura num sentido descendente mas numa tentativa de alcançar a elevação, a ascensão, era consumir e deixar-se consumir totalmente para rebentar e desaparecer nessa demasia e isso seria um acto poético bonito, vivencialmente doloroso mas a única via de esvaziamento, que permitiria essa levitação ansiada… mas falhou… com toda a mágoa, ter-me-á faltado coragem para me deixar rebentar, para bater no fundo e apanhar o ressalto, mas sem esperar pelo ressalto, sem saber sequer se o ressalto existiria… e nesse ressalto, sem qualquer premeditação ou esperança, deixar que as asas me crescessem e aceitá-las… ter-me-á faltado a disciplina e a coragem de me deixar cair…
DECOMPOSIÇÃO é, talvez por isso e apenas, mais um manifesto mediano sobre a solidão e a impossibilidade das relações… um cerimonial do vazio ou um cerimonial de alguém que talvez tente atrozmente fugir do vazio… há um espaço circunscrito e vedado… um falso exílio (es)forçado… há uma trindade constante e flutuante… 3 corpos, 3 cadeiras, 3 corpos vazios, 3 cadeiras vazias… e toda uma cosmética para se chegar ou disfarçar (a) o vazio… é o querer a plenitude seja ela qual for… é não estar bem assim e querer transformar-se… é o transformar-se e não alcançar a satisfação… é estar lá a negritude não verdadeiramente alcançada… é estar lá a claridade mas não a alcançar… e nessa medianidade, a insatisfação… o que lá estará afinal será sobretudo ausência…
Uma liturgia funesta do amor…? uma celebração da finitude… uma recusa da finitude… um recomeço… um reinício… um início… mas será sempre assim? uma decadência acontecida, pressentida, antecedida … quantas vezes afinal poderá amar um coração? Est ce que c’est la mort où la petit mort?
Um corpo a falhar… gasto… insuficiente… mais um corpo perdido que perdeu outros… mais um corpo a decompor-se… a decompor-se porque se quer afirmar… e, no meio dos estilhaços um pairar constante na linha média com ligeiras oscilações acima e a baixo… e esta medianidade atormenta… mói… decompõe…
Deixem-me apenas SER tremendamente… desamada ou amada… ainda que sempre e sempre me verei a fugir do caminho certo para magneticamente me afundar naquilo que me é inalcançável… e perder, perder sempre, cair, cair de amor, cair por amor, falling in love… deixem-me ascender aos céus ou enterrar-me fundo… deixem-me… deixem-me tão somente ser… tão somente amar… Para quem falo afinal? para mim… que me falta a coragem de desejar o nada e nesse nada alcançar o tudo…
Helena Botto
Aveiro, 17 de Novembro de 2009
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Ficha Artística:
Conceito, direcção artística, dramaturgia, concepção plástica e videográfica, figurinos: Helena Botto
Composição musical original e sonoplastia: João Figueiredo
Ca
Desenho e operação de luz: Pedro Fonseca
Performers e co-criadores: Cláudio Oliveira, Helena Botto e João Figueiredo
Performers no vídeo: David Q, Helena Botto e Ludger Lamers
Brainstorming inicial: André de Brito Correia
Colaboração Artística: Ludger Lamers
Registo Fotográfico: Susana Neves
Costureira: Maria Adelaide
Uma produção Projecto Transparências – criação de objectos performativos – associação
Agradecimentos: António Costa Valente, António Reis, Daniel Duarte Moreira,
Apoios:
O Projecto Transparências é estrutura associada do Performas – Estúdio de Artes Performativas Contemporâneas
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