09/04/2009

O meu Jardim das Oliveiras

[Eu queria mesmo dar-te a lua

Mas tu, na tua pequenez,

Dizes-me que não tens onde a guardar…]

Queria o céu mas eles agrilhoaram-me à terra

(será que eles não anseiam o céu?)

Já não tenho as asas tenrinhas mas preparo o voo final

E eles aparam-me as penas e travestem-me de galinha

Unhas pintadas postiças a esgravatar no estrume

(Mas eu já cá nem estou e eles nem gostam de estrume…)

Esvaí-me em sangue como derradeira dádiva

Escoei-me até ao tutano porque os achei mais dignos que eu

E eles preocupam-se com as nódoas que deixo no chão

E varrem-me a pele morta com toda a leviandade

(Com a naturalidade de quem levanta a mesa para o dia seguinte)

Preparo a cerimónia final onde já não serei presente

Há já pouca carne e os ossos estão secos e quebradiços

Construí meticulosamente a minha lápide

(Porque eles assim o quiseram)

Sem inscrição

(Porque eu assim o quis)

E eles enfeitam-me o corpo com florinhas, estampados e lacinhos na cabeça

E nem se apercebem de que já sou cadáver

Puta e santa porque puta

(“queres-me limpa deus, tentarei obedecer”)

Parideira da culpa e dos abortos vivos que só eu amo

Grávida de vazio numa eterna canção de embalo

Útero seco pela dádiva

A transbordar desejo

(agora corpo de sexo em oferenda ao amontoado anónimo

vagina de vácuo sedenta de um gourmet de carnes mistas)

A morte está já tão perto (sente-la? é claro que não a sentes)

E ficava-nos tão bem, assim vestida, de seda branca

(lembras-te quando eu vestia a tua jallabah de seda cinzenta? é claro que não te lembras)

Noiva em véu sufocando a vergonha do abandono

Nunca ninguém te quis, oh eterna puta velha!

E bastar-me-ia um dia, apenas um dia para que me chorasses em luto final

Mas para ti… um dia é tanto tempo…

H.B. Março 2009

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