[Eu queria mesmo dar-te a lua
Mas tu, na tua pequenez,
Dizes-me que não tens onde a guardar…]
Queria o céu mas eles agrilhoaram-me à terra
(será que eles não anseiam o céu?)
Já não tenho as asas tenrinhas mas preparo o voo final
E eles aparam-me as penas e travestem-me de galinha
Unhas pintadas postiças a esgravatar no estrume
(Mas eu já cá nem estou e eles nem gostam de estrume…)
Esvaí-me em sangue como derradeira dádiva
Escoei-me até ao tutano porque os achei mais dignos que eu
E eles preocupam-se com as nódoas que deixo no chão
E varrem-me a pele morta com toda a leviandade
(Com a naturalidade de quem levanta a mesa para o dia seguinte)
Preparo a cerimónia final onde já não serei presente
Há já pouca carne e os ossos estão secos e quebradiços
Construí meticulosamente a minha lápide
(Porque eles assim o quiseram)
Sem inscrição
(Porque eu assim o quis)
E eles enfeitam-me o corpo com florinhas, estampados e lacinhos na cabeça
E nem se apercebem de que já sou cadáver
Puta e santa porque puta
(“queres-me limpa deus, tentarei obedecer”)
Parideira da culpa e dos abortos vivos que só eu amo
Grávida de vazio numa eterna canção de embalo
Útero seco pela dádiva
A transbordar desejo
(agora corpo de sexo em oferenda ao amontoado anónimo
vagina de vácuo sedenta de um gourmet de carnes mistas)
A morte está já tão perto (sente-la? é claro que não a sentes)
E ficava-nos tão bem, assim vestida, de seda branca
(lembras-te quando eu vestia a tua jallabah de seda cinzenta? é claro que não te lembras)
Noiva em véu sufocando a vergonha do abandono
Nunca ninguém te quis, oh eterna puta velha!
E bastar-me-ia um dia, apenas um dia para que me chorasses em luto final
Mas para ti… um dia é tanto tempo…
H.B. Março 2009
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