15/11/2008

O Álbum

De 18 a 22 de Novembro, 22 h

Estúdio Performas - Aveiro

foto © João Raposo

O Álbum é uma criação híbrida que entrecruza os universos da performance, da fotografia, do vídeo, da imagem em tempo real, da música e utilizando como fio dramaturgico condutor alguns fragmentos de textos de Câmara Clara de Roland Barthes e de Crave de Sarah Kane. Há nesta amálgama de linguagens um elemento que as contrapõe: a questão da imobilidade e do devir. Tal como a fotografia, a música, as imagens de vídeo e os textos, não estão sujeitos à mudança e ao desgaste (a menos que deliberadamente neles intervenhamos aposteriori da sua concepção), no entanto o corpo (performance) esse estará irremediavelmente sujeito ao desgaste, à perda, à transformação. É talvez a cruel fatalidade a que não poderemos escapar e sobre a qual nos propomos reflectir.

Um corpo emerge do Álbum da Memória, um espaço constituído por cerca de 2000 fotografias pessoais. Este aglomerado de imagens privadas, constitui aquilo a que se chamou o Álbum da Memória. São fotos de infância misturadas com fotos recentes, fotos de trabalho, fotos de férias, fotos de festas, fotos de pessoas, instantâneos recolhidos à socapa, fotos roubadas de outras pessoas, de outras vidas, outras vidas partilhadas, outras vidas cruzadas.

É então a partir desta mancha de imagens paralizadas, fixadas em papel fotográfico, que todo o processo performativo se vai construindo. Diante da unicidade de uma imagem, há determinados pormenores (o punctum de que nos fala Roland Barthes) de algumas fotos que subjectivamente foram destacados e que provocaram associações psico-fisicas e comportamentos que se foram construindo. Diante da unicidade do Álbum da Memória, houve determinadas fotografias que se destacaram talvez porque tenham causaram uma vertigem temporal, porque remeteram o corpo para um universo de memórias, porque cruelmente afirmaram aquilo que foi e não aquilo que imaginámos ter sido…

Estes pormenores imutáveis de fotografias e estas fotografias imutáveis, estes fragmentos da realidade são destacados e instalados na tela vazia, orgânica e sujeita ao desgaste que é o corpo da performer, este corpo reage através de uma linha de comportamentos também ela fragmentária a estes estímulos, criando e construindo à medida que a performance se desenvolve um novo álbum, talvez ainda mais privado e pessoal, O Álbum Interior.

E porque este novo álbum é corpo (corpo-memória) está ele próprio sujeito ao devir, à transformação, à perda, urge a necessidade de o guardar, de o gravar, talvez numa tentativa cruel (?) de paralização temporal. Um registo fotográfico deste álbum interior vai sendo feito à medida que a performance decorre. Estas novas fotografias impressas originarão um novo álbum, a Memória do Álbum Interior.

Barthes diz-nos, “a fotografia é violenta, não porque mostre violência mas porque nela nada pode recusar-se ou transformar-se”… a paralização e a fragmentação temporal é violenta, sem dúvida a incapacidade do devir é monstruosa… mas o tempo que passa, e as alterações que vamos sofrendo, as pessoas, os momentos, todo um conjunto de inefabilidades que se vão perdendo, e que serão sempre irrecuperáveis, não serão elas ainda mais violentas? O que são as nossas fotografias quotidianas senão o registo de momentos que queremos por alguma razão fixar… não será a perda desses momentos e o seu devir ainda mais violento? Contra argumentando, diriamos que a passagem do tempo, as transformações a que vamos estando sujeitos acabarão por nos trazer outras vivências e por eliminar gradualmente os sentimentos de perda… Quanto à primeira parte de acordo, quanto segunda só posso concordar com Barthes: “(…) o luto com o seu trabalho progressivo elimina lentamente a dor. Eu não podia nem posso acreditar nisso, porque para mim o tempo elimina a emoção da perda (não choro), é tudo. Quanto ao resto, tudo ficou imóvel.”

Helena Botto

foto © Helena Botto

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FICHA ARTÍSTICA:

Conceito, direcção artística, concepção plástica e instalação espacial, dramaturgia e performance: Helena Botto // Composição musical original e sonoplastia: João Figueiredo // Captação de imagem e videoplastia: João Raposo // Performers no vídeo: Helena Botto e Pedro Bastos // Texto: fragmentos de “Câmara Clara” de Roland Barthes e de “Crave” de Sarah Kane // Desenho de luz: José Nuno Lima // Operação de luzes: João Teixeira / Hugo Martins // Design: Joana Ivónia /Look Concepts // Produção executiva: Helena Botto / Projecto Transparências – criação de objectos performativos - associação // Agradecimentos: Ana Sofia Ricardo, António Costa Valente, Bruno Reis / João Veludo (e à equipa do Gretua), Hugo Martins, João Mendes, José Filipe Pereira, Pedro Bastos e família Bastos, Tiago Castro e um agradecimento muito especial a Emanuel Pina // Uma produção PerFormas em Co-produção com o Projecto Transparências – criação de objectos performativos – associação // Apoios: Fundação Calouste Gulbenkian (programa Novos Encenadores), Instituto Português da Juventude, MC/ Direcção Geral das Artes, Look Concepts e Diário de Aveiro.

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