comportamentos absurdos (?),
repetidos e repetitivos
repetidíssimos, mais do que tudo repetidos
e intercalados por vazios
festas ou desesperos seguem-se a silêncios
o princípio poderia verdadeiramente ser o fim
o meio as pequenas grandes coisas que fazemos enquanto ansiamos o fim :
lutamos amamos e
e amamos e lutamos
e encontramo-nos e desencontramo-nos
e iludimo-nos e desiludimo-nos
e queixamo-nos
e vamo-nos entretendo com isto...
há uma espera longa e contínua que vamos ocupando enquanto esperamos
mas tudo é espera
e vivemos nesta espera desesperada por Godot
só faz sentido se esperarmos por ele
só faz sentido se ele vier
mas se ele vier, tudo isto deixa de fazer sentido
vamos embora?
sim! esperemos então...
SINOPSE
A Espera é uma criação performativa onde dois performers e um músico reinventam os universos das personagens beckettianas de “À espera de Godot”. Não se pretendeu aqui sobreposição a Beckett ou à sua ampla e consensualmente reconhecida, obra. Tratou-se sim de, eventualmente lhe proporcionar outra leitura, outra abordagem, que não se pretende rotular. A Espera é tão-somente outra perspectiva, dentro do universo absurdo que uma obra, grandiosa como a que de Beckett, pode inspirar.
Se já é difícil dizer algo sobre alguma coisa é ainda mais difícil dizer algo sobre o nada e A Espera é isso mesmo, uma performance sobre o nada ou talvez antes sobre o tudo. Sobre tudo aquilo que fazemos e ansiamos fazer enquanto esperamos que nos cheguem as respostas às nossas perguntas, enquanto vamos tentando a felicidade, enquanto vamos tentando a vida.
Em “A Espera”, nunca se termina de percorrer um caminho, no receio de que este possa não ser o caminho correcto, e por isso se espera por outra resposta que não vem de nós, na ânsia que estas respostas, estas indicações do percurso certo, só elas nos pudessem esclarecer, quase como se não quiséssemos ser nós, os donos da nossa própria vida e por isso interrompendo qualquer acto que possa ter uma consequência.
A cronologia das situações vivenciadas, também pouco parece importar para o fim último que tentamos adivinhar, descobrir – numa sucessão quase aleatória de comportamentos, acontecimentos fragmentários, repetitivos e inconclusivos. Há neste intermezzo apenas os nossos medos e receios de não estarmos a fazer a coisa certa.
Nesta espera talvez tudo pareça demasiado exposto e denunciável, antecipam-se as situações, os desejos e os receios dos performers, dos personagens, os personagem denunciam a própria estória de Beckett e outros personagens, o espaço e os seus elementos aparecem desde o início totalmente expostos, sem segredos, sem surpresas, como se o importante não fosse o caminho, mas o fim.
E os silêncios incomodam (-nos), um sentido de impotência perante a nossa própria vida, incomoda; a hipótese de tudo isto poder ser vazio, incomoda; a possibilidade de que o que quer que possamos fazer terá necessariamente o mesmo desfecho, incomoda; e é talvez por isso que, no fim da performance, se desista desta tentativa de alcançar o fim último porque tanto lutamos. Atingir o fim, talvez não tenha afinal, qualquer sentido. O sentido de tudo talvez sejam mesmo as incertezas, as intranquilidades, a busca constante e talvez o absurdo de tudo isto fossem realmente as respostas porque ansiamos.
Preferiremos talvez uma vida sem respostas, onde as nossa incertezas, medos, anseios continuem, do que um fim que dê sentido e respostas a todas as nossas fragilidades e questões, que acabe com tudo e nos retire esta insegurança de viver.
Talvez o melhor seja mesmo irmos embora antes que Godot apareça e no entanto ainda cá continuamos… à espera dele!!!
helena botto ---------------------------------------------------------------------------------------------Conceito, direcção artística e concepção espaço: Helena Botto // Performers:
Um comentário:
Textos fantásticos a desvendarem um pouco deste trabalho.
Aveiro ganha; a cultura ganha,o espectador ganha.
Fico à espera de ver um Beckett reiventado e estou certo de que será isso que acntecerá, que génio não te falta. Nem sensibilidade.
Beijo
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